17/05/2019

Você também



"Tudo pertence ao tribunal."
(Kafka, O processo)


Um dia você, como Josef K., também é processado. Você, como K., também desconhece as leis que regem tal processo, mas não tarda a sentir seu peso. Você agora é um réu: viver é nada mais que defender-se da primeira acusação. Se dá conta que o processo nunca termina, parece que sequer teve início, que já tramitava contra ti muito antes de você ter nascido. Você leu Kafka e sabe que, numa ação dessa natureza, a condenação é praticamente inevitável, e se recorre em vão a advogados é só pra fingir que não está sozinho. Mas você está sozinho e sabe disso  aquela porta da Lei é só sua e segue intransponível. É bem verdade que está livre pra fugir, mas fugir é inútil: o tribunal está em toda parte, sobretudo dentro de ti. Então você corta os pulsos como último recurso e, por alguns instantes, parece se libertar das amarras da Lei; mas logo entende que também essa sangria é uma fase do processo: foi declarado culpado no banheiro do seu quarto, é você mesmo seu carrasco e não lhe está dado ver no espelho os olhos do juiz, porque os seus já vão fechando lentamente...