09/09/2019

Minha experiência com patins

Compraram meus patins foi na Avon
há tantos anos, nem era nascida.
Com eles deslizei e fui ao chão
vezes demais, tão só, tão distraída.

Se me ouviram chorar, foram os sons
dos patins em manobras suicidas.
E os momentos felizes passei com
os joelhos totalmente em carne viva.

Mas quando vi meninas no jardim
e quis andar, descalça, junta delas,
caí, quebrei as pernas. Era o fim.

Mamãe, aos pés da cama, hoje ela
me disse: Foi-se a idade dos patins.
Amanhã abriremos as fivelas.

12/08/2019

Stories

Sou sua melhor amiga. Contratada
pra desviar das redes todo o esgoto.
Quando você está que é um terremoto,
eu te substituo na balada.

Sou quem sorri, perfeita, pras suas fotos
quando você se encontra amordaçada
(e quem olha pras selfies não vê os cotos
de suas mãos, que já foram amputadas).

E quando você se jogar da escada,
do quarto andar, do carro em movimento,
ou pender da cortina, ou afogada,

ou overdose, ou miolos ao vento...
estarei com você, amiga amada,
filmando o seu incrível passamento!

04/08/2019

A ilha

Nós chegamos à ilha ou foi a ilha
que de nós mansamente se acercava?
O caso é que encalhamos nossa quilha

numa porção de luz: a ilha brilhava.
Depois de tantas noites navegadas,
por fim a nossa âncora aportava

nessa ilha ultrarreal, pois inventada.
Era manhã na ilha, mal chegamos
estendemos cadeiras na enseada

para falar da vida, e falamos
dos naufrágios, dos livros que, perdidos
em alto-mar, enfim reencontramos

dentro da ilha, quais filhos crescidos,
e dos que, nas viagens, porto a porto,
nadaram sem retorno para o olvido...

A ilha era maior que o nosso povo,
cabia para cada um uma casa.
Queríamos, no entanto, um mundo novo

e antes de casas fabricamos asas
e voamos pela ilha, deslumbrados
com tudo aquilo que escapou a Nasa,

e a nós, sempre reféns dos astrolábios,
olhos vidrados em telões incríveis.
Como haviam mais árv'res que soldados,

mais aglomerações do que desníveis,
mais telas por pintar do que museus,
traçávamos caminhos impossíveis...

sem prédios, arranhávamos o céu.
Foi quando sussurrou uma menina:
E se for tudo um sonho? E anoiteceu.

A frase estremeceu nossas espinhas;
dos pares bruscamente nos soltávamos,
as pipas desprendiam-se das linhas...

E se for tudo um sonho? indagávamos.
Dormir era acordar para a outra vida
em que diariamente naufragávamos?

Nos deitamos na praia anoitecida,
alguns vendo se a ilha dissolvia,
outros bolando cartas suicidas

— eu olhava era o mar, e o mar se abria...
Que seja, disse alguém, a ilha foge
pois é feita de areia e poesia.

Nada é nunca o que era, que por hoje
nós possamos viver nesta utopia.


16/07/2019

Por não saber onde botar as mãos

Por não saber onde botar as mãos
tenho puxado a cordinha
antes do meu ponto
e andado na direção contrária
a minha casa, enveredado por ruas
estranhas, uma vez
quase me perdi.

Por não saber
onde botar as mãos
tenho as posto nas grades
dos portões
esperando
que os cães raivosos
avancem.
Mas os cães tem se mostrado dóceis
e mesmo os que mordem
não perfuram fundo, não me contaminam
de sua raiva.

Por não saber onde
botar as mãos
tenho acenado para
desconhecidos
que às vezes ignoram
e seguem
que às vezes retribuem
e seguem
que às vezes se aproximam
e dizem
o preço.

Tenho escrito diários ilegíveis
nas margens dos livros
da biblioteca,
tenho assinado meu nome
em listas de presença
de velórios,
em planos de telefone
(mas não me liguem),
tenho pichado nos muros
frases infantis
que logo se misturam
às outras
por não saber
onde botar
as mãos.