01/11/2018

A princesa do Leblon


*Favela da Praia do Pinto, Leblon, quando de sua remoção
pelos governos militar e do estado da Guanabara, em 1969.


Pra princesa do Leblon
só importava seu cabelo.
Tiros? Berros? Tudo sons
do exagero brasileiro.

É que os gritos mais bisonhos
não chegavam ao castelo.
Era ryca e só em sonho
conhecera o pesadelo.

Se o cabelo estava bom,
o mundo também devia
estar. O mundo é o Leblon
— plano, alheio à maresia.

Em casa, pela janela
do Facebook, ela via
casos de morte — que ela
dava um "amei" e esquecia.

A princesa do Leblon
vai ao salão todo dia.
Gosta do Leblon, só não
gosta da democracia.

Quando volta do salão,
bonita que é um desaforo,
a princesa do Leblon
vê crianças no semáforo.

— Um assalto em cada esquina,
diz a princesa. E treme:
— Se abaixo o vidro? Magina.
Não por medo. Por higiene.

A democracia é cheia
de povo, uma grande merda.
Como pode gente feia
andar assim, descoberta?

Mas hoje ela esqueceu
o vidro do carro aberto
e ao parar no sinal deu
com a pobreza bem de perto.

A princesa do Leblon,
limpinha pois de direita,
sentiu roçar sobre a mão
uma obscena mão preta.

Era um menino pedindo
dinheiro ou vendendo bala
ou seja lá o que um retinto
faz quando um carro para.

Achando que era o assalto
que viu na televisão,
acelerou de salto alto,
recolheu rápido a mão

e acabou quebrando a unha.
Tomava agora ciência,
com só Deus de testemunha.
Chegou nela a violência.

A princesa do Leblon
agora está indignada:
tem que voltar pro salão,
consertar a unha quebrada.

— Que país é esse que não
pode uma pobre princesa
por pra fora a branca mão
pra ir secando a unha feita?

A princesa do Leblon
exige mais segurança.
Ou vai sair do Leblon,
ela e todos os Bragança.

A. F.