28/12/2013

Das proibições (1)



Se a placa diz: PROIBIDO PISAR NA GRAMA...
Como, então, criar raízes?

A. F.

* Foto: Proibido pisar na
grama (acervo pessoal)

13/12/2013

15/11/2013

A um passarinho

Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.

Deixa-te de histórias
Some-te daqui!

Vinícius de Moraes
Volta passarinho,
pro meu botequim.
Volta, volta, volta:
volta para mim!
Inda levo a marca
mesma de Caim.
Não, não sou poeta
nem falo latim...
mas per omnia saecula
 até os confins
beberei poesia
em copos de gim.

A. F.

26/10/2013

Rondó das namoradas


Minhas namoradas
andam me traindo.
Eu aqui, demente,
apontando estrelas...
e elas lá, sorrindo!
Minhas namoradas
andam me traindo.

Tenho de matar
minhas namoradas,
sassiná-las todas
em poemas feios.
Minhas namoradas
tenho de matá-las
lentamente e sempre.

Minhas namoradas,
essas vagabundas,
fingem que não sabem
(ou pior: não sabem)
meus pobres enigmas.
Os meus inimigos,
como estão se rindo...

Minhas namoradas
andam me traindo.
Eu aqui, demente...
elas lá, sorrindo!
Ai, que versos feios
andam me saindo...
Meus pobres enigmas.

Minhas namoradas,
essas vagabundas,
tenho de matá-las,
lentamente e sempre
tenho de matá-las,
antes que me matem
— eu e meus enigmas.

A. F.

12/10/2013

Luz na rua

A luz enfim chegou à Rua Pau Brasil!

Os pais podem ficar tranquilizados,

a Associação de Moradores assegura:
NÃO MAIS anjos de rua furtarão
a virgindade das moças
na saída da missa.

A Rua Pau Brasil é toda luz

nos mistérios que a revestem.
Não há sombra que possa
ante a clareza dos postes...

A luz chegou com suas transgressões!

Os rapazes em desespero se perguntam:
— Onde vamos esconder agora
nossos pobres corações selvagens?

— Pobre de nós, suspiram as virgens...
nuas, em seus quartinhos escuros...
sem fé, coitadinhas, nem álibi...

A. F.

03/10/2013

O Enforcado


No ano da Criação
um querubim sem pecado
 não se soube o motivo 
enforcou-se
na árvore da vida.

Eva, ao entender a metáfora,
abriu os olhos de Adão.
E Adão, de posse da visão,
quis ser deus e fornicar com Eva.
Por isso forçaram
os portões do Éden
e foram os dois, poetas,
abrir bordéis
e fundar filosofias.

Deus, para abafar o escândalo,
inventou demônios, espalhou profetas
e mandou cremar o corpo do suicida
e jogar suas cinzas nas águas d'Iemanjá.

Que ninguém nunca soubesse
por que suicidou
um querubim...


A. F.

25/09/2013

Oscular

gonzo - vitiligo - hipocampos
Eu só preciso de palavras.

(Mas como alcançá-las
sem beber da vossa
dicionária con-
cha?)

A. F.

21/09/2013

O autor desce aos infernos

 * Foto de Diane Arbus

Tal qual um esqueleto desmembrado,
o abismo dos teus olhos vou descendo.
Anjos nus vão imóveis ao meu lado —
é minha alma, algo pura, anoitecendo...

Onde foi que perdi meu brilho alado?
Em que parte do corpo fui perdendo
a fé e, feito flor, você, pecado,
nasceu, desabrochou e foi vivendo?

— Oh flor da minha vida, oh Razão
que guia meu calvário e é a igreja
onde fabricam céu e perdição!

Eu desço este abismo se deseja,
mas vou cantando baixo uma oração —
quem sabe Ele me ouça, Ele me veja.

A. F.

15/09/2013

O blues que anoitece os homens


Mas você vem
sorrateira
pela porta...

          Você sempre vem...
          revirar a mesa, espalhar
          os discos, tocar fogo
          nos tediosos dias

— aqueles mesmos dias
a que nós loucos chamávamos
                                         úteis...

A. F.

04/09/2013

04/09/13

Confesso:
eu sou o câncer maligno
do meu trisavô.

Isso explica as mãos
escuras e armadas
e os olhos castanhos
fincados à beira
do abismo; mas...

e a língua? (esta

minha língua de fogo
lambedora de séculos
...) Qual a origem?

A. F.

29/08/2013

Manhã, tarde e noite


Os homens estão sentados,
a alma fugiu dos homens.
Calados estão, calados...
(Por dentro sussurram nomes.)

Os homens estão cansados,
o corpo venceu os homens.
Parados estão, parados
enquanto urubus os comem...

Os homens estão deitados,
a noite cobriu os homens.
(Os olhos se tornam fado
fadado aos lobisomens...)


A. F.

* Desenho de
Eduardo Flores

20/08/2013

Sete conselhos p/ Gisele

À Gisele Roberta Ignan

1
Nunca revele teu verdadeiro nome, Gisele.
Se te perguntarem, minta:
– Sou Gisele...

2
Gisele, Gisele... Pare
de carregar o mundo!
Vai te dar dor nas costas...

3
As flores de abril, Gisele,
não são as mais belas.
Repare as de maio.

4
E não me saia pela manhã
sem protetor, dona Gisele!
Recomendo um fator 60
mas Deus também serve.

5
Gisele, o tempo é
ligeiro, se apresse...

6
Mas, acalme-se: não
tão rápido assim!

7
Se te apetece morrer,
Gisele, morra baixinho...
- E que seja de amor!

Só se morre de amor...

A. F.

~ Selecionado no 2° Concurso Literário Big 
Time Editora, a ser publicado em antologia.

14/08/2013

14/08/13

Nos dias normais
oscilo entre o inferno
e o tédio.

Mas há um retrato,
feito de foice,
vindo de frente
com o para-brisa.

Há um retrato,
de corpo & alma,
manchando tudo
de cana & sangue.

Há um retrato
pintando o céu
de cores débeis
pois impossíveis.

Estenda as mãos, mulher... já pode tocá-lo!
Oh, que manhã! Que momento!

Só vê Deus quem encara
os olhos da morte...


(Só
se vê Deus uma vez.)

A. F.

04/08/2013

Onde cantam as cotovias

1.

Mas que tédio são os dias
onde cantam as cotovias...
Não há drogas, não há vida:
nunca houve um suicida...

Pus os meus barcos no mar
mas não querem navegar...
Tenho moinhos de vento
mas eles giram tão lento...

Nas ruas, todas tão planas,
passam manhãs cotidianas.
Mas que tédio são os dias
onde cantam as cotovias...

2.

Onde cantam as cotovias
cantam outros passarinhos
canções de todos os dias...

Quando acordo no meu ninho
já cansado de morrer
não há sangue, nem vizinho

a quem possa recorrer.
 E esse silêncio lá fora
que não me deixa escrever!

Como eu queria ir embora,
voltar pras minhas orgias,
e me esquecer da aurora
onde cantam as cotovias...
   
A. F.

~ 1º colocado no Desafio de Janeiro realizado
pelo blog Olaria das Letras. (Tema Livre.)

27/07/2013

A arte de limpar retratos


Delicadamente ponho
os retratos na estante -
fundem-se poeira e sonho
nas relíquias do viajante.

Demoradamente ponho
os retratos na estante -
fundem-se poeira e sonho
nas marcas do elefante.

Desgraçadamente ponho
os maus-tratos na estante -
fundem-se poeira e sonho
nos retratos do aspirante.

A. F.

18/07/2013

Nos seios fartos do meu travesseiro

Mais uma vez acordo
no auge dos meus 17 anos.
Ainda estou em casa e os sonhos
ainda são aqueles.

A poesia sexual
dança debaixo
do edredom
- são as mãos febris lutando
no escuro.

Flutuam no ar imagens
de um pornô qualquer
que fogem, feito salamandras,
pra debaixo da cama onde
dormem natimortos.

É meu trabalho decifrar esses códigos
diariamente. Trabalho duro
que me arranca o gozo.

A. F.

(35 x 21 cm) de Luiz Telles

14/07/2013

Olheiras

Levo debaixo 
de cada olho
um discurso
ao vento

 se digo amém
aos domingos

é porque faltam
palavras

A. F.

12/07/2013

Sejamos infantis - amemos

Sejamos infantis - amemos
como amam os lírios e as estrelas
os dragões e os bibelôs
os alemães e os girassóis...

(Amemos
como amam a vida
os suicidas...)

Amemos
sem nenhum pudor, amemos!
Qualquer coisa, a qualquer modo...
sem qualquer razão. Amemos,
tão somente amemos...
Amar, e só.

                         A. F.
* Desenho: Nas quietas
beiradas de  Daniloz


02/07/2013

Poema vadio

Numa rua qualquer eu vejo um cão
e o cão me vê.
Nos entreolhamos: não há anteolhos
nem filosofias.

Vejo o cão mas não reparo o cão
e nem o cão desvenda
o meu segredo.
Não há trânsito.

Daqui a pouco o cão irá passar
- eu também hei de passar -
e nada disso terá importância.
Mas há algo novo, inteiramente novo
acontecendo aqui:

entre mim e o cão
um poema
se elabora.

E pra qualquer lado que decidirmos ir,
a partir de agora, será a caminho
da eternidade.

A. F.

20/06/2013

Triolé dos Afogados


Nademos! Sim! Mas para onde?
Se se afogaram as estradas...
Se o luto corta o horizonte...
Nademos! Sim! Mas para onde?
Se já passou o último bonde...
Se as pernas já estão cansadas...
Se se afogaram as estradas...
Nademos! Sim! Mas para onde?

A. F.

* Desenho: Luminoso Afogado
de Rosa Carvalho (cores
originais invertidas)

06/06/2013

Canção Marítima



Nós, os navegantes
da contra maré,
aos olhos da massa
andamos em ré.

Em ré seguem eles
as linhas traçadas.
Não cabem nos mapas
ilhas inventadas...

Na praia de ossos
encontram a paz.
São livros fechados
na beira do cais...

Tão jovens infantes
seguimos de pé,
nós, os navegantes
da contra maré.

Nós, os fabricantes
da contra razão,
negamos cantar
a mesma canção.

Nós, os navegantes
da contra maré,
trazemos no passo
um novo balé.

Nós, os navegantes
 ou vou eu sozinho?
buscando, já louco,
alguém no caminho...

A. F.

(35 x 25 cm) de  Daniloz

27/05/2013

17

Tenho que ir
 a noite convida-me
para dançar.
Levo no peito
(cravado no peito)
uma pequena faca.

Tenho que ir

 os pés já não podem
outros caminhos.

Tenho que ir

 o verbo faminto
me chama, me inflama.

Tenho que ir

sem preocupar-me com as caras
atônitas, tremendo de frio,

sem dar ouvidos

aos comentários
que me chamam louco.

Tenho que ir.

17 anos. 17 anos só pra isso.
Desculpa, mãe.

Hora de calçar os chinelos,

os meus chinelos

e de pijama

verde-limão
sair no frio.

A. F.


01/05/2013

Maio

Nobre dama na janela
me observa de soslaio.
Quem é ela? Quem é ela

na janela? É Maio! é Maio!
Ai, meu Deus, e como é bela!
Dela sou pobre lacaio...

Ai, que boca! a boca dela
mata mais que tiro, raio...
Nesse abismo eu caio, eu caio!

Quero amar somente ela!
Pois que tudo antes de Maio
foi passado, mero ensaio...


* Dama na Janela (Gravura/Arte Francesa)                              A. F.

29/04/2013

Traças


O juízo final 
foi adiado 
para o próximo 
domingo 

Traças 
roeram 
o livro 
da vida 

A. F.


20/03/2013

O confronto

Neste gazal arbitrário
pago meu próprio salário.

Que estas palavras não
sejam o meu relicário.

Tentei orar tantas vezes
diante do adversário...

Pobres, minhas orações
perderam-se no rosário.

Hoje calado aguardo
Ele sair do armário.

Morreu de novo em confronto
- dirá meu obituário.

Como é difícil seguir
com o suicídio diário!...

André Foltran

Imagem de Lincoln Koga

11/03/2013

11/03/13

Podia jurar
que ia nascer
um poema
neste instante.

Mas há um assassino
em cada sala
escura
de cursinho...

A. F.


17/02/2013

Vinho de Missa


Estas pombas melancólicas no meu domingo
são os filhos que eu terei com a ultima virgem.
Um menino e uma menina, os vejo agora...
tão lindos!

- Como é bom ser cristão!

Mas, espere; sim, eu posso ver:
herdarão de mim os olhos
e, com eles,
minha maldição!
Por que isso meu Deus?...

Logo os dois, coitados... umas pombinhas tão lindas!...
É de dar pena.

                                                        A. F.
Ilustração de Felipe Corsini

07/02/2013

Politicária

O poeta correto
discute com o poeta incompleto
qual deles é capaz de bater o poeta concreto.

Enquanto isso o poeta concreto
tira cimento do nariz.

                             André Foltran

                                                                                 Congresso Nacional (1958), Brasília

02/02/2013

As maravilhas da internet


Ficava digitando o próprio nome no Google
só pra ver se se encontrava.
Se achou um dia num perfil de internet:
tava outro, tinha amigos
e muitos...
tava amado, tava rico, tava lindo!...

Desde então é um novo homem!


                                      André Foltran

28/01/2013

Violão encostado



Passei a noite
pensando em você.
Quebrei os dedos
de tanto tocar.

A. F.

* Imagem: O homem com violão,
desenho feito com carvão por
Pablo Meijueiro de Assis