24/08/2014

Dois enterros


Meus pássaros não param de morrer. 
Esta manhã dois corpos recolhi
: um na esquina onde te perdi,
outro à janela em que me vi perder.

Duas rasas covas ternamente abri,
pois cada morto é parte do meu ser,
e como eu não soubesse o que dizer
um epitáfio a cada um escrevi.

Ao meu primeiro pássaro: Aqui jaz
um amador que, por perder uma asa,
dormita, agora, em ninhos abissais.

E ao meu segundo pássaro: Aqui jaz
a pomba branca que fugiu de casa
e não retorna nunca, nunca mais...

A. F.

* Foto: Natura Morta

20/08/2014

Caroline

Há qualquer coisa de triste
nessas moças que servem
café.

Encaro a mais feia, peço:
 Um café puro, por favor.
— Já trago, um momento.

(Risco num guardanapo:
Só os desesperados vão
a cafés p/ escrever.)

— Aqui está, mais alguma
coisa?
— Seu nome.
— Oi? Ah, é Caroline...

— Eu sei o seu segredo,
Ca-ro-li-ne, digo ao pé
do ouvido.

Caroline nunca mais
voltará ao trabalho.

A. F.

13/08/2014

Cinco tercetos de guerra


I - Pacífico

Toda paz
é um indício
de guerra.


II - Éden

Trocaram as pombas
— terror de inverno! — por
revoada de bombas?


III - Hecatombe

Do céu de Hiroshima
caem, feito anjos,
pássaros em chamas


IV - Chumbo

Soldadinhos mortos.
Meninas — mães palestinas 
recolhem os corpos.


V - Tristeto

Estou em paz, risco um poema
... Enquanto isso meus irmãos
tombam em combate.


A. F.

1º colocado no VIIIº Concurso Poesiarte (2014)

10/08/2014

A palavra puta



De repente
a palavra puta
ronda
a nossa casa,
arromba
a nossa porta,
zomba
a nossa vida.

De repente,
não mais que
de repente.

A. F.


07/08/2014

O conta/dor

Em criança ouvia contos
— contos para recontar.
Agora, crescido & tonto,
tudo o que faço é contar.

No escritório, o patrão:
— Conte, conte até cansar!
Conto o dia inteiro, então,
contos para não guardar...

Por tamanha contação
fim do mês recebo uns contos
que até dão para gastar.

Mas quando fecha o bar,
a noite é quem conta os contos
e são contos de matar...

A. F.