21/05/2019

Mulher confundida com nuvem




Essa mulher gostava
de pisar o chão,
mas muito cedo a botaram,
intocável, no céu
se aproveitando
da inconstância típica
da sua espécie.
Apontaram dedos
para a mulher de ar
e disseram eu vejo um rosto,
e disseram eu vejo um bicho,
e disseram eu vejo um sexo,
a mulher, leve, flutuava
em pleno domingo
se moldando aos caprichos
do olhar de quem a visse,
até que juntou-se a outra,
até que juntou-se a várias,
até que a mulher nublou
e choveu sobre toda a gente,
gotas da mulher prenderam-se
nos fios elétricos,
a mulher encheu bueiros,
inundou escritórios,
causou catástrofes
e alguns resfriados,
a mulher secou
junto às roupas do varal,
deu de beber a gatos
de cemitério,
engendrou arco-íris
em becos sinistros.
Os pais falam em fuga,
os jornais em assassinato,
mas as gramas da praça
conhecem a verdade.


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