02/12/2015

Éramos uma vez






* Imagem de Sally Mann
(1984-1991)

[1]

Éramos amarelos
como os canarinhos
e os girassóis.

Eu fazia a comida,
você alimentava
os dragões. Eu
escrevia os poemas,
você os queimava
na lareira.

Éramos um fogo só. 

[2]

Diziam, os vizinhos, quando
éramos amarelos,
que nossos olhos juntos
eram mais que o sol.

Deus sempre vinha
tomar uísque
em nossa casa
de bonecas.
(Éramos amarelos
e cristãos.)

[3]

Mas isso foi antes
daquele verde
nos seus olhos.

Era domingo
e na tv
nada entretinha
as nossas vísceras.

Você, entre um comercial
e outro, alimentou florestas
ao invés de dragões.

(Era domingo demais
para uma natureza
assim tão vasta,
assim tão brusca.)

Quis sair: mas é domingo.
Era domingo, não
entendi.
Quis sair, eu disse: fica.
Com te conter, eu
te perdi.

[4]

Eu, sozinho,
dei de beber coca-cola
e escrever poemas
pra não queimar depois.

Os dragões morreram todos.
Não sei se de fome. Não sei
se de tédio.



10 comentários:

  1. uau!!!! que lindo, que intenso! bjs

    http://mentedesencaixada.blogspot.com.br/

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  2. Parabéns pela poesia, belíssima.E parabéns pelo blog. Abraço.

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  3. André, seu poema é simplesmente genial! Embora com final triste, tem beleza, originalidade, musicalidade... estou encantada!
    Desejo um 2016 repleto de inspiração e boas lembranças!

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  4. Como já disse Caio F, os dragões não conhecem o paraíso.

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  5. Muito boa a metáfora do domingo; um dia triste e vazio.
    Belo poema, André! Sobre o encantamento, a perda, e a necessidade de poesia.
    Um ano feliz!
    xx

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  6. A Verdade Em Poesia, está a tentar visitar a todos os seus seguidores,
    para deixar abraço amigo e agradecer por termos ficado juntos mais um ano,
    desejar também que este ano lhe traga muitas alegrias, e grandes vitórias.
    Atenciosamente. António.
    PS. tive de seguir outra vez porque estava sem foto, ou sem endereço.

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