1
Partir. Pra lá. Daqui. Partir-se. E
partir-me. Agora. Já. E mesmo que.
2
Não importa o solo, o poema medra
no meio do caminho. Uma pedra
divide o mundo em dois, solo partido
pela pedra-poema. “É que, querido,
viver é dividir-se assim, ao meio,
como faz tua cara entre meus seios...”
Só a pedra no caminho não se quebra,
não compartilha nunca o que em si leva.
Encerrada em si mesma não divide.
A pedra é feita de pedra. E de.
3
Viver é caminhar. Segundo os médicos,
caminham todos, mesmo os paraplégicos
caminham nas suas camas, de seus bancos.
E até o atleta olímpico é manco
no caminhar da vida. Em todo canto
andam seres sozinhos. E no entanto
mesmo o mais solitário anda em bando.
No meio do caminho vão deixando
o que não sobrevive à subida.
No meio do caminho a própria vida
4
vai ficando. Tal qual poemas cortados
nós partimos, partidos. Por que diabos
seguimos caminhando se há sempre
a pedra pra partir no meio a gente?
Se viver é só isso, tanto faz
cortar o poema, os pulsos, tanto faz
escrever um poema ou simplesmente
calar já desde o berço. E tão somente.
5
Ou devamos por isso mesmo ir,
já que ficar também é um partir.
Partir para Chicago ou Istambul,
mas nunca desviar do interno sul.
Seja em Itabira ou Paraty,
em Rio Preto ou Madrid, é sempre em si
que se caminha. Mesmo se matar
é um modo de viver, de ser e estar:
de no mundo ser mais um suicida,
de no mundo estar morto. Que a vida
é tudo isso. E escrever um novo poema,
se não resolve, não piora o problema
da pedra — metafísico — que se
mete em qualquer caminho que se leve.
É por razão alguma que se escreve.
Que se caminha. Vive. E ainda assim.
A. F.
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