08/12/2018

Partituras

1
Partir. Pra lá. Daqui. Partir-se. E
partir-me. Agora. Já. E mesmo que.

2
Não importa o solo, o poema medra
no meio do caminho. Uma pedra

divide o mundo em dois, solo partido
pela pedra-poema. “É que, querido,

viver é dividir-se assim, ao meio,
como faz tua cara entre meus seios...”

Só a pedra no caminho não se quebra,
não compartilha nunca o que em si leva.

Encerrada em si mesma não divide.
A pedra é feita de pedra. E de.

3
Viver é caminhar. Segundo os médicos,
caminham todos, mesmo os paraplégicos

caminham nas suas camas, de seus bancos.
E até o atleta olímpico é manco

no caminhar da vida. Em todo canto
andam seres sozinhos. E no entanto

mesmo o mais solitário anda em bando.
No meio do caminho vão deixando

o que não sobrevive à subida.
No meio do caminho a própria vida

4
vai ficando. Tal qual poemas cortados
nós partimos, partidos. Por que diabos

seguimos caminhando se há sempre
a pedra pra partir no meio a gente?

Se viver é só isso, tanto faz
cortar o poema, os pulsos, tanto faz

escrever um poema ou simplesmente
calar já desde o berço. E tão somente.

5
Ou devamos por isso mesmo ir,
já que ficar também é um partir.

Partir para Chicago ou Istambul,
mas nunca desviar do interno sul.

Seja em Itabira ou Paraty,
em Rio Preto ou Madrid, é sempre em si

que se caminha. Mesmo se matar
é um modo de viver, de ser e estar:

de no mundo ser mais um suicida,
de no mundo estar morto. Que a vida

é tudo isso. E escrever um novo poema,
se não resolve, não piora o problema

da pedra — metafísico — que se
mete em qualquer caminho que se leve.

É por razão alguma que se escreve.
Que se caminha. Vive. E ainda assim.

A. F.

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